domingo, 14 de fevereiro de 2010

-=- Cantar tudo na missa? -=-

Compartilhar Estudando a história da prática do canto litúrgico, observamos que o canto da assembléia, sofreu oscilações que vão desde o extremo de não cantar nada, até o extremo de cantar tudo. O canto litúrgico sempre foi ou sempre deveria ter sido o canto da assembléia que celebra.

No início…

Na Igreja primitiva, o canto era da assembléia. Era um canto simples, popular, espontâneo; pretendia apenas diferenciar-se do canto dos pagãos. Assim era o canto primitivo romano, do qual irá se originar, mais tarde, o gregoriano.Já nos séculos II e III, havia uma tendência à celebração sem canto, nos tempos dos apologétas. Do canto primitivo cristão, passou-se ao canto gregoriano, inicialmente como canto do povo que canta as partes da missa. Prontamente o canto gregoriano, singelo e simples no início, foi-se enriquecendo de melismas¹. Isso o levou a tornar-se cada vez mais difícil para o povo, pelo que, até o século VI, passou a ser interpretado pela schola². O povo ficou sendo espectador ouvinte, e sua participação limitava-se a ouvir, refugiando-se no canto religioso popular. Voltou a ter certa participação por volta do século IX, quando floresceram composições mais simples, mais próximas dele, com menos melismas: os tropos e as seqüências, composições estróficas de estilo silábico.
Com o surgimento e desenvolvimento da polifonia, os coros se aperfeiçoaram e se ampliam, executando as partes do Ordinário da missa e as que não pertenciam ao celebrante. O povo continuou sendo um espectador mudo. O mesmo ocorrerá nos séculos XVIII e XIX, com as famosas missas-concerto.

De um extremo a outro…

De uma etapa em que não se cantava nada, podemos passar para outra em que achamos que devemos cantar tudo? Quando cantar? Convêm dosar o canto, ter uma prioridade entre os cantos, escolhê-los e selecioná-los bem, de tal forma que passemos de uma música litúrgica para ser ouvida a uma música para participar na liturgia. Selecionemos o melhor para a liturgia, de tal maneira que a música sirva para a missa, e não a missa para a música (decreto da Sagrada Congregação dos Ritos de 1643).
Verdade é que as possibilidades que nos oferece o missal romano são muitas, mas nem por isso é preciso cantar tudo. O ideal não é cantar tudo sempre, convém cantar, mas não é conveniente que se cante tudo. Uma celebração não é mais solene pelos muitos cantos que nela introduzimos. Não se trata de quantidade, mas de qualidade. Não muitos cantos, mas que sejam cantados com intensidade, com profundidade e cantar o próprio.
Bastariam três ou quatro cantos (o salmo, o santo e a comunhão), algumas aclamações (”gloria a vós Senhor”, ao concluir o evangelho e o amém à oração eucarística), para que a celebração seja digna, profunda, sentida, festiva e para que a assembléia participe e expresse sua fé.
Ao programar os cantos para uma celebração, devemos ter em conta um sadio equilíbrio não apenas ao escolher o número de cantos, mas considerando também a assembléia. Nem todas as assembléias, em todos os povos têm as mesmas qualidades, aptidões e predisposições para cantar. Não se deve forçar nem insistir junto à assembléia com o “cantem todos”. Não convém tão pouco mudar continuamente de cantos (”sempre cantos novos”). O silencia também deve ressoar na assembléia.
Devemos buscar o equilíbrio para que toda celebração seja festiva, mas que, ao mesmo tempo, distinga-se uma celebração dominical de outra ferial, assim como uma celebração dominical do tempo comum de uma solenidade.
O canto é uma forma de participação que se vai conquistando por etapas. Ocorre dar preferência às partes que tem maior importância: o santo, o salmo, o amém.
O equilíbrio na dosagem nos levará a evitar os contrastes e as desproporções que, por vezes, encontramos na liturgia, como ao cantar o santo, e sim o ofertório; não cantar o cordeiro de Deus e sim a Paz; recitar o salmo e cantar o pai-nosso; alguns batizados sem canto algum e um casamento repleto de cantos, espetáculo e parafernália.

Fonte: (ALCALDE, Antonio. Canto e Música litúrgica: Reflexões e sugestões. São Paulo: Paulinas, 1998. Pag 67 à 72)
(¹) - Melismas: ornamento vocal em que canta várias notas para uma mesma sílaba. Diferente do cato silábico em que cada sílaba corresponde diretamente a uma nota.
(²) - Scholla: Grupo de Cantores.